"Pernoitas em mim
e se por acaso te toco a memória... amas
ou finges morrer
pressinto o aroma luminoso dos fogos
escuto o rumor da terra molhada
a fala queimada das estrelas
é noite ainda
o corpo ausente instala-se vagarosamente
envelheço com a nómada solidão das aves
já não possuo a brancura oculta das palavras
e nenhum lume irrompe para beberes"
Al Berto
In Rumor dos Fogos (1992)
Não é possível - por razões óbvias - esgotar as palavras e interpretações no que toca à poesia de Al Berto.
Este poema entra-nos no espírito como a noite sucede ao dia: suave, total, inevitável. Há um "tu" que pernoita em mim e uma memória que se materializa e que pode ser tocada, quer pelo amor, quer pelo fingimento da morte (serão as duas coisas idênticas, será o amar e o dar um pouco de si ao outro morrer já um bocadinho?).
Mas no ar ainda há aroma (cheiro) que é luminoso (visão) que talvez possamos tocar (tato) quando se desfaz no rumor (audição) da terra queimada.
Provavelmente este sujeito poético pensante pretende uma absolvição pela diluição numa sinestesia de sensações últimas, apenas possível na iminência da morte (ou do amor?).
Mas a realidade é que a noite permanece e o envelhecimento traz a solidão, nada restando, pois tudo foi destruído pelo fogo (quem sabe, pela vida).
2 comentários:
Olá Sandro!
Descobri este teu cantinho pelo link que colocaste no FB :)
E tinha que deixar o meu "Olá" no post do Al Berto, que me deixou "apaixonada" por ele quando folheei as primeiras páginas do Anjo Mudo e li “Viajar, se não cura a melancolia, pelo menos, purifica.” ;)
Bjinhos,
Angela
Pois é, Ângela. Bom gosto nessas leituras, estou a ver... Beijinhos
Enviar um comentário